“Foi uma batalha gloriosa, não?” disse o Cavaleiro Branco, aproximando-se ofegante.
“Não sei”, disse Alice, hesitante. “Não quero ser prisioneira de ninguém. Quero ser uma Rainha.”
“E será, quando tiver transposto o próximo riacho”, disse o Cavaleiro Branco. “Vou levá-la em segurança até a orla do bosque... e depois tenho de voltar. É o fim do meu movimento.”
“Muito obrigada”, disse Alice. “Posso ajudá-lo a tirar o elmo?” Evidentemente aquilo era demais para ele fazer sozinho; mas finalmente ela conseguiu livrá-lo do apetrecho.
“Assim fica mais fácil de respirar”, disse o Cavaleiro, jogando seu cabelo desgrenhado para trás com as duas mãos e voltando para Alice seu rosto bondoso e seus olhos grandes e meigos. Ela pensou que nunca tinha visto um soldado tão estranho em toda a sua vida.
(...)
“Mas são dois tipos diferentes de engasgo”, Alice objetou.
O Cavaleiro sacudiu a cabeça. “Comigo, eram engasgos de todo o tipo, posso lhe garantir!” disse. Ergueu as mãos num certo arrebatamento ao dizer isso, e instantaneamente rolou da sela e caiu de cabeça num fosso fundo.
Alice correu para a borda do fosso para procurá-lo. Estava muito espantada com a queda, pois por algum tempo ele se saíra muito bem, e temia que dessa vez estivesse realmente machucado. Contudo, embora só pudesse ver as solas dos seus sapatos, ficou muito aliviada ao ouvi-lo falar num tom habitual: “Todos os tipos de engasgo”, ele repetiu, “Mas foi negligência dele pôr o elmo de outro homem... com o homem dentro, ainda por cima.”
“Como consegue falar tão calmamente de cabeça para baixo?” Alice perguntou, enquanto o puxava pelos pés e o deitava num monte na borda do fosso.
O Cavaleiro pareceu surpreso com a pergunta. “Que me importa onde está meu corpo?” disse. “Minha mente continua trabalhando do mesmo jeito. Na verdade, quanto mais de cabeça para baixo estou, mais invento coisas novas.”
“Veja, a coisa mais engenhosa desse tipo que já fiz”, continuou após uma pausa, “foi inventar um novo pudim enquanto a carne estava sendo servida.”
(...)
Alice só pode ficar perplexa; estava pensando no pudim.
“Parece triste”, disse o Cavaleiro, aflito. “Deixe-me cantar uma canção para consolá-la.”
“É muito comprida?” Alice perguntou, porque já tinha ouvido um bocado de poesia aquele dia.
“É comprida”, disse o Cavaleiro, “mas muito, muito bonita. Todos os que me ouvem cantá-la... ficam com lágrimas nos olhos, ou...”
“Ou o quê?” Quis saber Alice, pois o Cavaleiro fizera uma súbita pausa.
“Ou não, é claro.”
(...)
De todas as coisas estranhas que Alice viu em sua viagem através do Espelho, esta foi a de que sempre se lembraria mais nitidamente. Anos depois seria capaz de evocar toda a cena, como se tivesse acontecido na véspera: os meigos olhos azuis e o sorriso gentil do Cavaleiro... a luz do poente cintilando através do cabelo dele, e iluminando-lhe a armadura num esplendor de luz que a deixava inteiramente ofuscada... o cavalo andando calmamente em volta, com as rédeas pendendo soltas do pescoço, mordiscando o capim a seus pés... e as sombras negras do bosque ao fundo... Tudo isso ela observou como um quadro, quando, com uma mão protegendo os olhos, encostou-se numa árvore, observando o estranho par e ouvindo, como num sonho, a música triste da canção.
“Mas a melodia não é invenção dele”, disse para si mesma, “é ‘Eu lhe darei tudo, mas não posso dar’.” Ficou quieta e ouviu, com muita atenção, mas nenhuma lágrima lhe veio aos olhos.
(...)
Ao cantar as últimas palavras da balada, o Cavaleiro empurrou as rédeas e virou a cabeça para o lado da estrada pela qual tinham vindo. “Você só precisa andar alguns metros”, disse, “morro abaixo e transpor aquele riachinho, e então será uma Rainha... Mas antes vai ficar e me ver partir?” acrescentou, quando Alice se virou muito animada para a direção que ele apontara. “Não vou demorar. Vai esperar e acenar com seu lenço quando eu chegar àquela curva da estrada? Acho que isso me daria coragem, sabe.”
“Claro que vou esperar”, disse Alice, “e muito obrigada por ter vindo tão longe... e pela canção... gostei muito dela.”
“Espero”, disse o Cavaleiro, sem muita convicção. “Mas não chorou tanto quanto eu pensei que choraria.”
Assim, apertaram-se as mãos e em seguida o Cavaleiro rumou lentamente para o interior do bosque. “Não vou demorar muito para vê-lo cair, tenho certeza”, Alice disse de si para si. “Pronto! Bem de ponta-cabeça, como de costume! No entanto, monta de novo com muita facilidade... isso porque tem tantas coisas penduradas em torno do cavalo...” Assim ficou, falando consigo mesma, enquanto olhava o cavalo a marchar pachorrento pela estrada e o Cavaleiro a levar trambolhões, primeiro de um lado, depois de outro. Após o quarto ou quinto tombo ele chegou à curva, e então ela lhe acenou com seu lenço e esperou até que sumisse de vista.
“Espero que isso o tenha encorajado”, disse enquanto se virava para correr morro abaixo.
“Alice através do Espelho”, capítulo 8: “É uma invenção minha”
– O Cavaleiro Branco é Lewis Carroll
“E será, quando tiver transposto o próximo riacho”, disse o Cavaleiro Branco. “Vou levá-la em segurança até a orla do bosque... e depois tenho de voltar. É o fim do meu movimento.”
“Muito obrigada”, disse Alice. “Posso ajudá-lo a tirar o elmo?” Evidentemente aquilo era demais para ele fazer sozinho; mas finalmente ela conseguiu livrá-lo do apetrecho.
“Assim fica mais fácil de respirar”, disse o Cavaleiro, jogando seu cabelo desgrenhado para trás com as duas mãos e voltando para Alice seu rosto bondoso e seus olhos grandes e meigos. Ela pensou que nunca tinha visto um soldado tão estranho em toda a sua vida.
(...)
“Mas são dois tipos diferentes de engasgo”, Alice objetou.
O Cavaleiro sacudiu a cabeça. “Comigo, eram engasgos de todo o tipo, posso lhe garantir!” disse. Ergueu as mãos num certo arrebatamento ao dizer isso, e instantaneamente rolou da sela e caiu de cabeça num fosso fundo.
Alice correu para a borda do fosso para procurá-lo. Estava muito espantada com a queda, pois por algum tempo ele se saíra muito bem, e temia que dessa vez estivesse realmente machucado. Contudo, embora só pudesse ver as solas dos seus sapatos, ficou muito aliviada ao ouvi-lo falar num tom habitual: “Todos os tipos de engasgo”, ele repetiu, “Mas foi negligência dele pôr o elmo de outro homem... com o homem dentro, ainda por cima.”
“Como consegue falar tão calmamente de cabeça para baixo?” Alice perguntou, enquanto o puxava pelos pés e o deitava num monte na borda do fosso.
O Cavaleiro pareceu surpreso com a pergunta. “Que me importa onde está meu corpo?” disse. “Minha mente continua trabalhando do mesmo jeito. Na verdade, quanto mais de cabeça para baixo estou, mais invento coisas novas.”
“Veja, a coisa mais engenhosa desse tipo que já fiz”, continuou após uma pausa, “foi inventar um novo pudim enquanto a carne estava sendo servida.”
(...)
Alice só pode ficar perplexa; estava pensando no pudim.
“Parece triste”, disse o Cavaleiro, aflito. “Deixe-me cantar uma canção para consolá-la.”
“É muito comprida?” Alice perguntou, porque já tinha ouvido um bocado de poesia aquele dia.
“É comprida”, disse o Cavaleiro, “mas muito, muito bonita. Todos os que me ouvem cantá-la... ficam com lágrimas nos olhos, ou...”
“Ou o quê?” Quis saber Alice, pois o Cavaleiro fizera uma súbita pausa.
“Ou não, é claro.”
(...)
De todas as coisas estranhas que Alice viu em sua viagem através do Espelho, esta foi a de que sempre se lembraria mais nitidamente. Anos depois seria capaz de evocar toda a cena, como se tivesse acontecido na véspera: os meigos olhos azuis e o sorriso gentil do Cavaleiro... a luz do poente cintilando através do cabelo dele, e iluminando-lhe a armadura num esplendor de luz que a deixava inteiramente ofuscada... o cavalo andando calmamente em volta, com as rédeas pendendo soltas do pescoço, mordiscando o capim a seus pés... e as sombras negras do bosque ao fundo... Tudo isso ela observou como um quadro, quando, com uma mão protegendo os olhos, encostou-se numa árvore, observando o estranho par e ouvindo, como num sonho, a música triste da canção.
“Mas a melodia não é invenção dele”, disse para si mesma, “é ‘Eu lhe darei tudo, mas não posso dar’.” Ficou quieta e ouviu, com muita atenção, mas nenhuma lágrima lhe veio aos olhos.
(...)
Ao cantar as últimas palavras da balada, o Cavaleiro empurrou as rédeas e virou a cabeça para o lado da estrada pela qual tinham vindo. “Você só precisa andar alguns metros”, disse, “morro abaixo e transpor aquele riachinho, e então será uma Rainha... Mas antes vai ficar e me ver partir?” acrescentou, quando Alice se virou muito animada para a direção que ele apontara. “Não vou demorar. Vai esperar e acenar com seu lenço quando eu chegar àquela curva da estrada? Acho que isso me daria coragem, sabe.”
“Claro que vou esperar”, disse Alice, “e muito obrigada por ter vindo tão longe... e pela canção... gostei muito dela.”
“Espero”, disse o Cavaleiro, sem muita convicção. “Mas não chorou tanto quanto eu pensei que choraria.”
Assim, apertaram-se as mãos e em seguida o Cavaleiro rumou lentamente para o interior do bosque. “Não vou demorar muito para vê-lo cair, tenho certeza”, Alice disse de si para si. “Pronto! Bem de ponta-cabeça, como de costume! No entanto, monta de novo com muita facilidade... isso porque tem tantas coisas penduradas em torno do cavalo...” Assim ficou, falando consigo mesma, enquanto olhava o cavalo a marchar pachorrento pela estrada e o Cavaleiro a levar trambolhões, primeiro de um lado, depois de outro. Após o quarto ou quinto tombo ele chegou à curva, e então ela lhe acenou com seu lenço e esperou até que sumisse de vista.
“Espero que isso o tenha encorajado”, disse enquanto se virava para correr morro abaixo.
“Alice através do Espelho”, capítulo 8: “É uma invenção minha”
– O Cavaleiro Branco é Lewis Carroll
Um comentário:
Simplesmente amo essa parte do livro!!!
Postar um comentário