segunda-feira, 28 de julho de 2008

Um aquário despedaçado.

Dia 1

chegar em casa
fixou seu olhar
não havia modo de tirar Teresa da frente daquele aquário
Sentei ao seu lado carregado por uma espessa camada de dia-a-dia colhida lá fora
A gravata me apertava a palavra que insistia em desistir na minha garganta.
Desfiz o nó, o aperto restou
Beijei a testa de Teresa
Olhei para nada encontrar no aquário
Chamei Teresa pelo nome três vezes
Fui para o banho fazer-me água para que Teresa me olhasse

dia 2

trouxe flores
uma tentativa de suicídio
Nem eu sabia como o olhar de Teresa ainda não tinha se afogado naquele aquário
Coloquei as rosas sobre as pernas daquela estátua de silêncio e silêncio
Esperei
Desfiz-me num pranto leve e amortecido pela fumaça de um cigarro
pedi que a empregada dissesse algo
Deixei a empregada falando sozinha
Fingi
Fingi
Fingi
Jantei sozinho
a voz eletrônica da televisão desfez tudo o que ainda me era humano
meu corpo sentia saudades do dela

3 dia

Seu peito respirava – que não era mais ela, mas o peito dela
o olhar de medusa de minha esposa
os peixes que petrificavam Teresa
Passei a mão pelos seus cabelos de pedra
Quis beijá-la, a palavra aprisionada na minha garganta não permitiu
o escravo débil e estúpido de uma mulher de pedra
A empregada, com o espanador, limpou
encontrou o meu olhar reprovador
Pedi que se retirasse de minha casa e nunca, nunca mais voltasse.

no 4 dia...

cheguei em casa acompanhado de Paula
não gostou do aquário lembra coisas da minha mãe
não deu por conta que Teresa se fazia pedra ali, no meio da sala
Perguntei se ela queria tomar algo, pediu-me um copo de suco de laranja
tomei um copo de uísque
caí no sofá e adormeci
Acordei com Paula a me beijar o pescoço e me dizer coisas de mulher vivida no ouvido
Fiz de Paula uma Teresa
Teresa adquiria já uma cor azulada fingida de cinza, a cor de um barco cujos marinheiros já tenham se calado
adormeci o resto de noite e preparei-me para ser um resto de homem no dia inteiro


5 dia

Na manhã seguinte, deixei Paula dormindo e fui trabalhar
Paula me disse já ter arrumado um pouco as coisas
Vi ao redor do aquário um punhado de peixes mortos, Paula não teve coragem de tirá-los dali
Fui tomar banho
vi que ela estava cozinhando algo
batia com força em dois pedaços grandes de bife
Assisti ao programa de esportes tomando mais um copo de uísque, meu terceiro no dia.
Jantei solitário, novamente eu e Paula
Cuidei se as portas estavam fechadas
tranquei as janelas
transei com Paula na mesa da cozinha
dei comida para o cachorro na rua
fechei a torneira do banheiro que insistia em pingar
Sonhei com peixes e com um mar bravo
sonhei com a palavra que se desfazia em meu de dentro
Quando acordei no dia seguinte, não lembrava nem da palavra nem do mar, mas tinha um cheiro de maresia nas palmas das mãos.
percebi que ela tinha esquecido o martelo de bife em cima da mesa
Não me dei ao trabalho de guardar

dia 6

Voltei do trabalho cansado
eu queria aproveitar a noite
Paula me esperava com duas velas acesas sobre a mesa da cozinha, dois filés ao molho madeira e uma garrafa de vinho tinto aberta
Beijei-a como nunca
cheirei seu cabelo
mordi de leve o seu lábio inferior
Ela serviu-me de vinho
Comi com a tranqüilidade da resignação, os braços frouxos de tanto esquecer
Paula contou-me do seu dia de mulher de casa
de assistir televisão
de ler um romance barato
de conversar com os vizinhos
de pensar em ter filhos
Paula tinha arrumado algumas coisas
A nova empregada varreu para fora de casa os estilhaços de Teresa