sábado, 26 de julho de 2008

Uma história rasa

De repente a sala estava toda molhada, o tapete, o quarto, a cozinha, o chão todo estava encharcado. E no meio da sala estava o peixe se debatendo. Ela encontrou o aquário caído no chão com apenas um pouco de água dentro, um ou dois centímetros de altura de água.
A torneira vazia, nem um pingo, não havia água no chuveiro nem no vaso sanitário. Estava tudo vazio e a água no chão penetrando no concreto, na madeira, nos tecidos, pingando na cortina.
Ela pegou o peixe e o colocou na palma da mão.
Ele sabia que faltava pouco. Ele já não conseguia respirar e sufocava aos poucos. Ela achou melhor colocá-lo no pouco de água do aquário para que pelo menos sua pele não ressecasse. Ela ainda empurrou a cabeça do peixe no fundo do recipiente para que ficasse submerso, mas a água não era suficiente. Ele pensou que faltava muito pouco para que tudo aquilo acabasse, e lembrou de tudo que desejava e sonhava e que gostaria de ter dito e não disse, e do que gostaria de ter feito. E agora ele sabia que a qualquer momento tudo seria diferente, ou nem seria mais. E a voz dela ficava longe e lenta, e ele já não sabia se estava ali a horas, dias ou um minuto, porque nunca um minuto foi tanto tempo para saber de tanta coisa. E seu corpo não sacudia mais e ele decidira apenas relaxar a cauda e as barbatanas e manter os olhos abertos. Houve o momento então em que sua última inspirada involuntária travou as brânquias e ele pôde sentir seu coração palpitar lentamente e quase se força por mais duas vezes, e agora sentia pela última vez a água tocar suas escamas na metade submersa de seu corpo e pela última vez viu a garota pelo reflexo do vidro e pela primeira vez gostou de estar dentro do vidro e tê-la por perto, quando então esqueceu de tudo.

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