quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Carta de Taíse

A Taíse Gewehr escreveu para o email da Cia comentando o espetáculo. Obrigada, Taíse, pelo retorno.

"João,

Por primeiro, como qualquer um que expressa opinião sem ter embasamento real no que diz, te peço desculpa desde já por qualquer deslize. Segundo que, como qualquer pessoa que escreve, desejo imprimir um tom. E já te adianto na partida, que o matiz que gostaria de transmitir é genuíno enquanto platéia, e que desejo ser amigável, ajudar no que for, com meus "eu acho" e "eu penso".

Saí da peça primeiramente alegre com o que mais me chama atenção em qualquer arte. São as camadas de conotação. Se você perdoa a liberdade, recorto uma citação que usei na mono, diz assim: "pela riqueza de suas conotações é que o romance de Proust se diferencia – do ponto de vista semiológico – de um livro de cozinha; o filme de Visconti, de um documentário cirúrgico” (METZ, 1972, p. 95)". Dois livros e dois filmes que diferem na profundidade, e isto, resumidamente, poderia ser o que, para mim, é o encanto de qualquer arte.

Nossa, a letra cantada por Teresa é viva e tão dela! É singelamente deliciosa. A fala do Lisandro quando monologa sobre Mãnhê e trânsito é ótima, muda o tom de toda a peça, parece um parêntesis no todo, mas que corre o risco de ser visto literalmente como monólogo, pois está ali, discutindo os grilos do homem modernos, ao meu ver, não do personagem em si. A saia que se faz calda de sereia, simples e perfeito. E os dois se vestindo juntos, aquele início de casamentos com mil juras, onde tudo exacerbadamente se faz junto, até vestir-se, brilhante! Logo aquele corte dramático daquela união, eu teria sentido até mais se a cena fosse um pouco mais vagarosa. E a mesma fita que ela usa para amordaçá-lo e humilhá-lo no fim! Trilha muito boa mesmo, pontual, concisa. O uso das lâmpadas pra construir a linguagem! Belíssimo, fotograficamente falando também, e fazia todo sentido junto da interpretação. Dispensável falar das fantásticas projeções e que casavam no contexto geral da obra e compunham também a homenagem à arte contemporânea.

Aqueles saltos no início me parecem soltos. Imaginei que se os dois tivessem começado no mesmo tempo e fossem entrando em ritmos diferentes, eu teria sentido a característica de uma relação que termina por ruir: dois que começam dançando na mesma batida e terminam por afastar-se de tão diferentes e estrangeiros que parecem um ao outro, se eles ainda trocassem olhares neste processo, pois tanto mais clara seria essa idéia. O aquário. Ele era fantástico para compor as cenas e dar significado às falas, mas não senti ligação direta dele com o casal, ficou em mim isso como lacuna, e tristemente foi o que me balançou no meu julgamento da peça. Porque todo título serve de guarda-chuva para o que está abaixo. Eu quis assistir a peça sem ler nada sobre: despretensiosamente. Contudo, ao ler um título isso já de alguma forma delimita a obra. Vi menos Teresa e o Aquário e vi mais algo como Teresa ao encontro de Teresa. Vejo Teresa de uma sinceridade! Ela não tem medo de terminar uma relação drasticamente, de querer um homem mais velho, de tremer de medo ou vergonha ou angústia pelo que já foi, é. Vejo Teresa à flor da pele, transpirando emoções e vivências em loop, irrefletidas. Isto é muito contemporâneo.

Arte como processo. Isso me atraiu muito na sua montagem. Este desejo de interagir, câmeras, blog, e de expandir o sentido por meio da internet, boníssimo. As artes plásticas aparecem gritantes visualmente, especialmente na composição entre corpos e lâmpadas, na performance com o mamão, na forma distanciada ou indiferente dos amantes se aproximarem, no texto com lacunas.

João, a peça está muito boa, verdade. Espero que tome com carinho o meu olhar sobre a peça e veja amor nos meus comentários.

Grande abraço,
Taíse"

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