quinta-feira, 13 de maio de 2010

comentário de Fábio Prikladnicki

Dentro da História




Considere duas produções, ambas inspiradas em Lewis Carroll, que por pouco não estiveram em cartaz simultaneamente em Porto Alegre: o filme Alice no País das Maravilhas, de Tim Burton, atualmente nos cinemas, e o espetáculo Alice, da Cia Espaço em Branco, com direção e performance de Sissi Venturin, que cumpriu temporada na Galeria La Photo.

Longe de querer medir adaptações ou intenções, vale tomar essa coincidência como ponto de partida para analisar o que o cinema 3D representa para a experiência, digamos, estética (na falta de uma palavra melhor) se comparado com a experiência proporcionada por vertentes do teatro que exploram o espaço como forma de compartilhamento com o público.

Essas vertentes teatrais não são novas, mas o frenesi em torno dos filmes 3D sim, e por isso merece ponderação. Em resumo, pode ser uma pequena revolução técnica na história do cinema, mas ainda é uma mudança tímida do ponto de vista das questões compartilhadas com outras linguagens artísticas. Quer saber? O público que corre ávido, com pipoca na mão, para as salas de projeção em três dimensões não está nem aí. Quer apenas a sensação, jamais o risco. Apenas a certeza, jamais a possibilidade. Estão todos muito seguros em suas poltronas.

Que o filme de Tim Burton seja um “falso 3D” (o efeito foi acrescentado depois, e não durante a filmagem, ao contrário de Avatar) apenas soma dramaticidade ao exemplo. Verdadeiro ou falso, no fundo não importa. Quaisquer que sejam as expectativas que o espectador vista junto com os óculos na sala de cinema, ao final o que resta é brincadeira para impressionar criança. Exceto se você considera como experiência estética a dor de cabeça que aflige 15% das pessoas que assistem a um filme 3D.

Agora que tal estar em um salão em que Alice, de corpo presente, desce de uma corda como que chegando à Terra das Maravilhas? Ou sentar no chão para participar, junto com outros espectadores, do “chá de desaniversário”? Ou, ainda, ter a oportunidade de comer os marshmellows em forma de coração que caem do corpo dela?

Estou, claro, citando cenas da performance Alice, de Sissi Venturin. Podemos lembrar de outro espetáculo da Cia Espaço em Branco, Homem que Não Vive da Glória do Passado (que também esteve recentemente em cartaz), de João de Ricardo, em que o público é levado, na primeira parte, para cima do palco. Para mencionar outras formas de vivência teatral, podemos pensar no Ói Nóis Aqui Traveiz, que convida os espectadores a percorrer os cenários dos espetáculos junto com os “atuadores”. Ou o Falos & Stercus, para citar outro grupo de trajetória consolidada. Isso apenas para ficar em exemplos do Rio Grande do Sul. Embora haja (felizmente) diferenças entre estas propostas teatrais, todas elas têm em comum o fato de colocar o público efetivamente dentro do espetáculo.

Mas aí se criou o mito da “interação com o público”. Não há nada que amedronte mais o público médio (na falta de uma expressão mais adequada, novamente) do que a possibilidade do encontro real entre artista e espectador.

Um medo que, na maior parte das vezes, apenas mascara um pré-conceito. Grande parte das produções que fazem o público compartilhar o mesmo espaço cênico dos artistas não o expõe ao ridículo. Sem falar que a definição sobre o que é chocante ou não também entra em questão. De qualquer forma, a maioria das companhias entende que vale mais a pena estender a mão ao público, às vezes literalmente, do que intimidá-lo. O que conta é a possibilidade de compartilhar, aqui e agora. Não é uma promessa, é uma oportunidade.

Então: que tipos de novidades estamos dispostos a experimentar? Por que negar o prazer do risco? Não está na hora de rever pesos e medidas?


o comentário foi publicado no blog "Quarta Parede" em 10 de maio de 2010.
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