sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

sopro

Ângela - Eu desmaio à toa.
Na última vez foi questão de segundo. Caio felizmente na cama e eis o vazio, e logo depois eu dizia a mim mesma: não foi nada, já passou. Alô! Alô! Picasso! Vem me ver, por favor especial. Sou um pinto depenado.
Mas que foguete! Comemorando o quê? pergunto eu.
Eu me olho de fora para dentro e vejo: nada. Meu cachorro está inquieto. Há alguma coisa no ar. Uma transmissão de pensamentos. Por que as pessoas quando falam não me olham? Olham sempre para outra pessoa. Eu me ressinto. Mas Deus me olha bem na menina dos olhos. E eu o encaro de frente. Ele é meu pai-mãe-mãe-pai. E eu sou eles. Acho que em breve vou ver Deus. Vai ser O Encontro. Pois eu me arrisco.
(...)
Quando pequena eu rodava, rodava e rodava em torno de mim mesma até ficar tonta e cair. Cair não era bom mas a tonteira era deliciosa.
Ficar tonta era o meu vício. Adulta eu rodo, mas quando fico tonta, aproveito de seus poucos instantes para voar.
Acho que loucura é perfeição. É como enxergar. Ver é a pura loucura do corpo. Letargia. A sensibilidade trêmula tornando tudo ao redor mais sensível e tornando visível, como um pequeno susto, o impalpável. Às vezes acontece um desequilíbrio equilibrado assim como uma gangorra que ora está no alto, ora está no baixo. E o desequilíbrio é exatamente o seu equilíbrio.

Clarice Lispector




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