segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

O céu lilás

.
.

O céu lilás

Na areia havia cinco meninos, entre 6 e 8 anos. Eles corriam de sungas coloridas. Eram como foguinhos, lobinhos, em grupo em vai-e-vens de perseguições amigáveis e estátuas de sal. Os meninos vivos em seus pequenos corpos de maresia. A alegria como motivo de existir. Contagiantes. Eu via à distância os pequenos deslumbrantes, quase nervosos de tanta ânsia uns pelos outros. Jovem força e brutalidade ainda escondida num projeto de homem. Mas já essência meio ogra, meio monstra em fazer caretas horrendas para a foto e, se for preciso sorrir depois, não será sério. Os meninos eram lindos, cada um diferente. Ainda doce olhar, o fato mirabolante e fantástico sobre ele e a onda do mar. O grande misterioso apenas desbravado na beirinha, entre pulos e punhos fechados de vontade. Um deles usava boias nos braços. (eu me lembro delas em mim.) Ele estava ancorado no espaço, as boinhas o penduraram no ar e qualquer passo era uma coragem. Era o menorzinho de braços caídos passando pelas bolhas de ar, suas asinhas salvadoras, mas imóveis. O maiorzinho era mais veloz, o cabeçudo. O cor-de-camarão tinha pernas longas e sombrancelhas anciosas quando corria para não ser capturado. Um castanho de camiseta, outro de braços tinhosos, como um macaquinho.
Na praia eu e eles e todos entre as quatro direções possíveis. Na praia diante do enorme mar eu me acalmo. Sua maritmidade age sobre as emoções e aflições. O gigante mistério ali em frente e os homens na areia como que esperando que ele avance, que transborde. A tela de areia é um cinema paraíso, as famílias passam, as bolas, os cachorros, os amantes, as imagens e miragens.
No dia de Nossa Senhora dos Navegantes Yemanjá eu estava com ela em seu véu de água, deixando nosso silêncio falar. Um silêncio de murmúrios e suspiros, suor salgado misturando espumas e embalos. Quando visto o véu, peso nenhum do corpo ou da mente, livre de mim atormentada, mas molhada de perdão e tempo. Calma. Calma.
Eu ainda quero viver na praia. Eu ainda quero estar mais perto da tranqüilidade, entre os corpos semi-nus, a brisa, o céu inteiro possível de ser visto nos limites da terra. O som.
Aqui eu lembro. Eu lembro.
Aqui é possível estar descalço, sereno e ter coragem.
De noite, a lua refletida na água e mais nada, e tudo que cabe no coração. Não há solidão mais inteira que em companhia da grande mãe, eu deitada em seu útero formado entre o chão e o céu, a terra e o mar.




Nota fúnebre:
Os restos humanos abandonados na areia não sangram, mas fazem chorar a beleza. São pedaços de descaso, a cegueira, os plásticos e garrafas e latas, as fraldas, canudinhos e tampinhas, o absurdo egoísta, peles de substâncias, embalagens consumidas e esquecidas. Quisera os homens carregassem as carcaças em si. Enquanto fizerem da natureza latrina, seu túmulo na merda, surpresa: sua própria casa imunda, a rua inundada, a alma poluída.

.
.

Nenhum comentário: